A Harmonia Pitagórica: Música e Matemática

Pitágoras lançou as bases da ciência musical ao criar e investigar o monocórdio. Nesse texto exploramos suas descobertas, a escala diatônica, seus problemas e a solução da coma pitagórica por um matemático do século XVI.


Uma das manifestações da natureza numérica e harmônica do universo observadas por Pitágoras foi na acústica. A ele se atribui o primeiro estudo científico da música.

Acredita-se que Pitágoras tenha iniciado seus estudos nessa arte a partir da observação dos sons nos metalofones, instrumentos musicais cuja fonte sonora eram placas de metal, que emitiam diferentes sons ao serem tocadas a depender do tamanho delas. Pitágoras
observou que diminuir o tamanho de uma placa pela metade produziria o mesmo som harmônico da placa original porém de forma mais aguda.

Para continuar seus estudos, Pitágoras construiu o monocórdio, que consistia em uma haste de madeira com 2 cantoneiras fixas nas pontas que tracionavam uma corda presa na haste e um cavalete móvel que permitia restringir a vibração da corda em um intervalo menor da corda.

Figura 1: Representação ilustrativa do monocórdio. L é o comprimento original da corda e L’ é o comprimento de uma parte da corda ao se introduzir o cavalete móvel.

O monocórdio era configurado inicialmente de forma que, sem o cavalete móvel, emitisse
um som harmônico na frequência relativa ao dó, por exemplo. Isso é possível ajustando o comprimento L com a tração e a densidade da corda. Claro que Pitágoras não tinha acesso ao maquinário matemático da acústica da física clássica, mas, hoje, isso é facilmente visualizado a partir da Fórmula de Taylor para cordas vibrantes:

$$v = \sqrt{\frac{T}{\mu}}$$

  • \(v\) : velocidade de propagação da onda sonora na corda
  • \(T\) : tração exercida na corda
  • \(\mu\) : densidade linear da corda

Como \(v=\lambda.\nu\), e, nesse caso, \(\lambda=L/2\) temos:

$$\nu = \frac{2}{L}\sqrt{\frac{T}{\mu}}$$

  • \(\nu\) : frequência de propagação da onda sonora na corda

Pitágoras notou que, para \(L’=\frac{1}{2}L\), o som produzido era o mesmo harmônico porém mais agudo. E para \(L’=\frac{2}{3}L\) , o som emitido era um outro harmônico, ao qual foi posteriormente chamado de quinta-justa (hoje conhecido como Sol). A partir
dessas observações, foi construída a primeira escala musical, chamada de diatônica, que se baseava nos dois princípios:

  • . Equivalência: \(L′ = \frac{1}{2} L\) produzia o harmônico de L porém mais agudo (oitava)
  • . Unidade de divisão: \(L′ = \frac{2}{3} L\) produzia um outro harmônico chamado de quinta-justa (Sol).

Assim, iniciando, por exemplo, do Dó, podemos multiplicar por \(\frac{2}{3}\) para obter o Sol e por \(\frac{1}{2}\) para obter o Dó de outra oitava. Multiplicando a fração relativa ao Sol novamente por \(\frac{2}{3}\) encontramos outro harmônico de uma oitava abaixo, chamado posteriormente de Ré, com \(\frac{4}{9}L\). Para obter o Ré da oitava original, pelo princípio de equivalência, basta multiplicar o comprimento por 2, onde obtemos \(\frac{8}{9}L\). Podemos fazer isso consecutivamente para obter
todos os harmônicos de cada oitava.

Entretanto, é possível notar que há um problema nessa escala baseado no fato de que, por essa unidade de divisão de \(\frac{2}{3}\) não é possível de se obter exatamente o harmônico relativo ao Dó. Esse problema é chamado historicamente de Coma Pitagórica, e essa
impossibilidade vem do fato de que a equação:

$$\left(\frac{3}{2}\right)^n=2^m$$

não possui solução para m e n inteiros diferentes de 0 (aqui as frações \(\frac{2}{3}\) e \(\frac{1}{2}\) aparecem, historicamente, invertidas pois a frequência é inversamente proporcional ao tamanho da corda). Podemos notar isso a partir do desenvolvimento:

$$3^n=2^{m+n}$$

Como 2 e 3 são primos, essa equação implicaria que existe um número que pode ser decomposto em primos de formas distintas, violando o teorema fundamental da aritmética. Os valores de n e m que tornam essa igualdade mais próxima são: \(n = 12\), \(m = 7\).

Assim teríamos \(2^7 = 128\) e \((\frac{3}{2})^{12}\approx 129.74\), isso dá uma diferença de aproximadamente 1%, que, como foi notado por alguns músicos da Idade Média, gerava problemas perceptíveis na composição musical.

Esse problema foi solucionado de forma definitiva no século XVI por um matemático e físico belga chamado Simon Stiven (1548-1620), que criou as notas temperadas, substituindo a divisão pitagórica de \(\frac{2}{3}\) por \(\frac{1}{2^{\frac{7}{12}}}\approx 0.6674\), que garante a igualdade para \(n=12\) e \(m=7\):

$$(2^{\frac{7}{12}})^n=2^m$$

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